Há quase dois séculos exercendo a liderança na produção, exportação e como vice-líder no consumo da bebida, o Brasil constitui o país mais relevante no contexto cafeeiro global. Entretanto, em decorrência das consequências das mudanças climáticas (geada, granizo, estiagem, altas temperaturas, veranicos), as ofertas brasileiras nas últimas três safras, assim como as do Vietnã e da Indonésia (robustas) na última safra, correram abaixo das expectativas iniciais.
Tal ocorrência se confronta com uma retomada do consumo pós-pandemia associado a um crescimento acelerado da demanda pelo mercado chinês (atualmente, país detentor do maior número de cafeterias no mundo). Calcula-se que sejam necessárias aproximadamente 500 mil sacas ao dia para atender a demanda mundial. Ademais, devido à escassez de oferta, o consumo de estoques acelerou, encontrando-se no menor nível dos últimos 25 anos!
Elemento adicional, pouco comentado, consiste nos desdobramentos comerciais da rolagem dos contratos futuros de cafeicultores impactados pela geada. Embora não tenha afetado a produção que já estava garantida, a elevação instantânea das cotações levou muitos a solicitarem rolagem junto aos traders possuidores dos contratos.
Essa renegociação comprometeu a arquitetura financeira estruturante das operações comerciais, pressionando o caixa das traders que, em razão da escalada das cotações, viram-se na situação de contínuas chamadas de vultosas margens.
O comprometimento logístico, também, responde por seu quinhão na alta das cotações. Os riscos de se navegar pelo Mar Vermelho, devido às ações de piratas, implicou em mais do que dobrar a distância do percurso até os principais portos europeus. Aumento do tempo de locação dos navios armadores, maior consumo de diesel e encarecimento do seguro impactaram fortemente o custo do frete marítimo, encarecendo todas as mercadorias transacionadas internacionalmente.
Essa condição logística, associada à queda vertiginosa dos estoques, sepultou definitivamente a estratégia “just in time” dos importadores. No atual momento, atua-se exclusivamente no modo da “mão para a boca”.
Esse contexto de mercado fez prevalecer a pauta do físico sobre o financeiro nas praças de formação dos preços (bolsas de mercadorias). De fato, a partir do segundo semestre de 2024, as cotações ganharam impulso, alcançando valores recordes nos últimos 40 anos.
No mercado interno, a desvalorização do real, a partir do quarto trimestre de 2024 e primeiro bimestre de 2025, estimulou as vendas externas (recorde de exportações), pressionando os preços domésticos e posicionando o café torrado e moído como um dos vilões da inflação no varejo de alimentos de 2025.
Em 2025, as cotações do café verde alcançaram patamares que não se observavam há cinco décadas. Mesmo com o início da colheita no Vietnã, as cotações declinaram apenas na margem. No Brasil, o veranico associado às altas temperaturas nos principais cinturões de arábica e robusta brasileiros manteve incertezas quanto ao volume real da safra corrente (em preparação para colheita). Ocorrências de coração negro nos frutos em formação e diminuição da peneira média são esperadas. Na entressafra brasileira de café, contabiliza-se queda nas exportações (auxiliadas pela operação tartaruga da receita federal atuante nos portos de embarque).
Outros países concorrentes também enfrentam desafios na cafeicultura. Na América Central, a imigração compromete a oferta de mão de obra para as demandas do mercado – particularmente, da agricultura. Na Colômbia, após inúmeros programas de apoio à produção, esta mantém-se estagnada entre os 12 e 14 milhões de sacas ofertadas anualmente.
Há países onde a oferta doméstica não atende mais o consumo, situando-se nas bordas de se tornarem países consumidores (México e Índia). Conflagração/instabilidade geopolítica entre países africanos dificulta a instalação de projetos de longo prazo. Enfim, não há boas notícias no cenário cafeeiro global.
Diante desse rol de constatações factuais, aparentemente vislumbra-se um clima para o início da atual colheita brasileira das mais promissoras. Apanhadores de café com diárias de R$ 200 a R$ 250, ou recebendo de R$ 40 a R$ 50 por medida (60 litros, apanhando entre 6 a 8 medidas por dia), poderão obter rendimentos acima de qualquer outra ocupação urbana de natureza precária (uberizados, ambulantes, terceirizados).
Imaginemos que um terço da cafeicultura recorra a apanhadores, ou seja, 20 milhões de sacas tenham ado pelas mãos desse exército de trabalhadores e, ainda, que 120 milhões de medidas bastem para formar esse volume de café verde: a remuneração global desse contingente de apanhadores vai atingir 4,8 bilhões de reais (contabilizando pelo mínimo pagamento da medida). As derriçadoras costais serão as vedetes da colheita que se avizinha. Desse contexto, também se beneficiam as empresas terceirizadas de frota de colhedoras e das demais máquinas e equipamentos empregados no manejo da cultura.
Porém, serão os cafeicultores os maiores beneficiados pelo ciclo de prosperidade que se aproxima. Uma safra de 60 milhões de sacas poderá render aos preços atuais algo como 135 bilhões de reais (estimando 18 msc de conilon mais robusta e 42 msc de arábica). Algo como 200% de rentabilidade frente ao custo unitário. A circulação monetária nos cinturões cafeeiros brasileiros será monumental, ativando investimentos na lavoura, energia solar, irrigação, recuperação da fertilidade, renovação de talhões e novos plantios com mais tecnologia) e fora dela, no comércio e nos serviços.
O comércio exportador será amplamente favorecido com o ingresso proveniente dos negócios internacionais. Talvez algo como 15 bilhões de dólares sejam adicionados pelo comércio de café ao saldo da balança comercial brasileira, favorecendo a queda da inflação devido à valorização do real – evidentemente, apoiado pelas demais commodities transacionadas que exibem, igualmente, situação favorável de preços.
Os infindáveis anos de Mumbai nos cinturões cafeeiros do Brasil ficaram para trás. Nova realidade, mais próxima da de Dubai, aparece no horizonte. Sim, alguns cafeicultores ainda entregaram parte de seu café a preços do início de 2024 (talvez menos de 20% deles, honrando os contratos futuros celebrados), mas grande contingente vai se beneficiar desses preços que deverão perdurar, pois o novo normal para a produção consiste na ocorrência de distúrbios climáticos, que pressionarão o potencial de oferta do país e alhures.
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA
celvegro@sp.gov.br