A explosiva majoração recente dos preços do café nos mercados tem merecido, oportunamente, inúmeras análises de especialistas dedicados a monitorar o segmento. Inclusive este que redige a análise contabiliza um rosário de jornalistas a solicitar conversas. Porém, invariavelmente, o ponto focal das análises prevalecentes consiste nos reflexos das mudanças climáticas sobre os principais cinturões cafeeiros espalhados pelo mundo.
Não resta qualquer dúvida de que as mudanças climáticas estão apresentando sua custosa fatura. Antes do café, o cacau foi a primeira vítima desse fenômeno, há mais de 30 anos anunciado.
Em 2024, antecipando previsões iniciais, alcançou-se o incremento de 1,5oC na média da temperatura global, deflagrando o pior dos cenários para as intermitências do clima. Os episódios de geada (safra 2022/23) e altas temperaturas (safra 2023/24) no Brasil, além da estiagem no Brasil e no Vietnã (safra 2024/25), obrigaram a mobilização dos estoques estratégicos, seguido pela alavancagem dos preços.
Muitas tecnologias agronômicas para o manejo da lavoura, desenvolvidas pelos pesquisadores brasileiros, são capazes de mitigar as consequências das mudanças climáticas e estão, em grande medida, sendo paulatinamente adotadas. Tais tecnologias serão, a cada nova safra, mais e mais cruciais nos esforços para manter as lavouras vigorosas e produtivas.
Ainda que as mudanças climáticas estejam no centro da problemática das cotações do café, ao menos uma parte da atual escalada dos preços decorre da lógica vigente do chamado capital comercial, cujo modus operandi consiste em comprar barato para vender caro. No caso, comprar barato dos cafeicultores para revender para seus clientes (internos e internacionais).
Essa modalidade de atuação tem, por intrínseca consequência, a capacidade de desarticulação da cadeia produtiva, na medida em que não gera os estímulos necessários para que a base produtiva promova novos investimentos, visando mais produtividade respeitando os protocolos consagrados (ESG, sustentabilidade).
Não se pode almejar qualquer outra condição de processamento das transações futuras que não seja a da sedimentada lógica do capital comercial. Lamentavelmente, assim como foi na pós-pandemia, os negócios envolvendo o café não arão por um rearranjo capaz de desfazer as “desgovernanças” que o mercado de padrão spot imprime. Embora parcela crescente dos cafeicultores esteja letrada para operar nos mercados de futuros agropecuários, ainda é majoritária a comercialização com base nas cotações diárias.
Assim, soma-se aos efeitos desastrosos das mudanças climáticas essa condição de comercialização pautada pelos preços diários, melhor dizendo, minuto a minuto. Mesmo que seu impacto já esteja precificado e percebido na amplitude da volatilização das cotações (diárias, semanais, mensais, anuais), ao se somar ao clima, amplifica ainda mais os riscos produtivos intrinsecamente determinantes do êxito na atividade agropecuária.
Por fim, um terceiro elemento, crucial para uma legítima compreensão da trajetória das cotações, consiste na progressiva concentração da oferta de café no mercado mundial. Brasil e Vietnã, somados, correspondem às maiores fatias do market share global a cada safra que se encerra. Tal concentração, numa leitura expedita, poderia até ser interpretada como vantagem econômica positiva, especialmente para a cafeicultura brasileira, haja visto o que se a entre o conjunto de países produtores de petróleo.
A produção cafeeira está em um conjunto expressivo de países em que a lavoura pode ser encontrada. Porém, aqueles que atuam comercialmente no mercado mundial somam cerca de 20 ou mais nações. Apesar da diversificação de origens, Brasil e Vietnã já contribuem com mais da metade da oferta global. Tal concentração torna os riscos de crises de abastecimento uma sombra permanente sobre o mercado.
A não ser aqueles que acreditam que o café tende a se tornar um produto de luxo, não é proveitoso para nenhum agente atuante nesse sistema produtivo que, em vez de alcançar novos apreciadores da bebida (como já acontece em marcha acelerada na Ásia), concentre-se exclusivamente naqueles que podem ar a bebida. Historicamente, a demanda global por café cresce entre 1,7% a 2,2% ao ano, possuindo a bebida uma inelasticidade como componente de sustentação dessa expansão. Desprezar essa característica para restringir-se ao segmento de luxo não encontra sustentação devido os quesitos estruturantes da demanda por café.
Os atuais preços (recordes em quarenta anos) já contratam a próxima crise no mercado, porém, desta vez, na ponta da produção. O chamado efeito manada induz investimentos tecnológicos massivos nas lavouras e, quiçá, na implantação de novas áreas em todos os cantos do planeta. O conhecido ciclo econômico secular do café, possivelmente, irá se manifestar com intensidade ainda maior da que hoje ocorre com as cotações. Implantar inovações na produção e nos processos produtivos capazes de oferecer resiliência às oscilações típicas desse mercado constitui tarefa inescapável dos cafeicultores de agora em diante.
São múltiplas as causas da majoração dos preços do café. Seus reflexos estarão sob contínuo monitoramento por ampla gama de analistas desse mercado. Iniciativas pautadas para mitigar os riscos desse negócio (produção e preços principalmente) serão cruciais na construção de horizonte econômico para essa exploração agrícola, garantindo que o suprimento do produto não esteja condenado ao nicho do luxo ou similares.