Gato por lebre - a rastreabilidade em questão
Bruno Miranda e Sylvia Saes discutem o "escândalo da carne de cavalo", fato marcante das últimas semanas. Em uma Europa repleta de consumidores exigentes e regras nos âmbitos nacional e comunitário, a surpresa foi ainda maior. Assim sendo, o que nos ensina o escândalo?
O mais interessante no “escândalo da carne de cavalo” é que o caso nos traz de volta à realidade. Nela, é bem provável que as empresas, que investiram milhões de euros para explicar aos seus consumidores a atenção dispensada no processamento dos alimentos vendidos, tenham evitado gastos da mesma magnitude para que a propaganda se traduzisse em protocolos sérios de controle de qualidade. Não sejamos injustos, entretanto: em grande medida, deslizes como o escândalo na Europa derivam de uma abordagem irrealista para a questão da rastreabilidade. Vendendo a ilusão de que tudo estava sendo vigiado, as empresas evitaram discutir o estabelecimento de sistemas realistas de controle daquilo que processavam, o que levou a um erro tão primário, e que representa um duro golpe a diversas marcas.
Mais especificamente, é evidente que uma empresa dedicada aos mercados de massa é incapaz de explicar aos seus consumidores com exatidão de onde veio aquilo que consomem. A ideia idílica de que um dia seremos capazes de saber exatamente de onde saiu cada alimento que consumimos é algo que, atualmente, somente habita as cabeças de quem não calcula custos. Em determinados nichos, a iniciativa é capaz de render bons frutos – e o café oferece os seus exemplos – mas imaginemos uma empresa que vende lasanha congelada em hipermercados do Primeiro Mundo especificando em cada embalagem a procedência exata da carne ali contida e a data de abate do animal, para citar apenas dois exemplos. Os custos de tal nível de controle seriam enormes, e provavelmente inviabilizariam a venda de linhas de produto com uma vocação pelo preço baixo.
Não raramente, porém, ou-se a impressão de que as empresas eram capazes de mais do que, na prática, podiam – ou estavam dispostas – a fazer. Diante da impossibilidade de estabelecimento de um sistema que controlasse cada detalhe da produção, muitas organizações optaram pelo pior caminho: ao invés de contar a verdade, e discutir alternativas e limites, preferiram vender um mundo de sonhos, em que tudo estava sendo mensurado, algo inviável. Os consumidores, claro, acreditaram. Afinal, não nos enganemos: as pesquisas demonstram que o tempo gasto por cada indivíduo para escolher um produto em uma gôndola de supermercado está na casa dos segundos. Por mais que acrescentemos informação às embalagens, chegaremos a um ponto em que a taxa de absorção de tais dados já não valerá o investimento em sua produção.
Para finalizar, tanto consumidores quanto empresas, por mais preocupações que tenham, caracterizam-se pelo comportamento maximizador na esfera econômica. Exceções existem, é bem verdade, mas o estereótipo comum é o do comprador que busca barganhas e o da organização que quer aumentar os lucros para beneficiar acionistas e o bônus dos funcionários. Se grupos europeus viam na importação de carne do Leste Europeu um excelente negócio, é porque tal opção ia ao encontro da enorme demanda por alimentos prontos baratos. Sacrificariam uma parcela maior de seu orçamento os consumidores em nome da garantia efetiva de que escândalos como o da carne de cavalo não ocorrerão mais? Na teoria, a resposta de boa parte dos analistas é um sim; na prática, porém, todo cuidado é pouco antes de respostas taxativas.
Em resumo, para que sistemas efetivos de rastreabilidade surjam, um requisito é necessário: caso não sejam capazes de estabelecer de maneira clara os limites para a mensuração dos atributos negociados na cadeia, os promotores da iniciativa correm o risco de montar uma estrutura alimentada por discursos vazios. O lado bom de escândalos como o da carne de cavalo é que podem motivar agentes econômicos, consultores e academia a amadurecerem o discurso. Em lugar das promessas de um mundo em que todos sabem tudo, por que não trabalharmos pelo reconhecimento dos custos envolvidos na materialização de tal realidade e a proposição de alternativas econômica viáveis? Para tanto, estamos diante de um enorme desafio, já que grupos com interesses conflitantes teriam que sentar à mesa e negociar parâmetros para o seu relacionamento. Este, por sinal, será o tema de nosso próximo texto.
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Material escrito por:
sylvia saes
Professora do Departamento de istração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)
ar todos os materiaisBruno Varella Miranda
Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri
ar todos os materiaisDeixe sua opinião!
SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO
EM 07/05/2013
Obrigado pelo comentário. O progresso tecnológico certamente contribui para a queda dos custos. Ainda assim, é preciso lembrar: custo baixo não significa ausência de custo. Mais especificamente, alguém tem que pagar por isso, e não está claro atualmente quem deveria pagar: o consumidor, já que exige o máximo de informação? Ou seria o produtor rural? Ou a empresa que produz, por exemplo, as refeições congeladas citadas no artigo?
Da mesma forma, de que forma a expansão desses sistemas seria garantida: é porque os consumidores o exigem ou devido a uma regulação estatal? Enfim, são questões que merecem reflexão.
Atenciosamente
Bruno Miranda

SÃO PAULO - SÃO PAULO
EM 07/05/2013
SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO
EM 19/03/2013
De fato, estamos diante de um excelente tema para pesquisas! Há uma série de aspectos envolvidos na questão da rastreabilidade que merecem maior atenção, por exemplo: i) custos e benefícios de mensuração de cada atributo; ii) caracteristicas dos processos de construção dos padrões; iii) características das organizações que asseguram que a tarefa seja levada a cabo (e, aí, acredito que a análise das formas plurais pode ser esclarecedora), entre outros.
Atenciosamente
Bruno Miranda

PIRASSUNUNGA - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO
EM 19/03/2013
PIRACICABA - SÃO PAULO - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 14/03/2013
SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO
EM 11/03/2013
Agradecemos o comentário. Sempre que tiver sugestões de pauta, críticas ou contribuições para o debate, este espaço é seu.
Atenciosamente
Bruno Miranda
LAVRAS - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 09/03/2013
Parafraseando o Douto Rui Barbosa:
"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto."
SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO
EM 07/03/2013
Agradecemos o comentário. Acredito que, do ponto de vista do artigo, uma discussão relevante é: na prática, qual a função dos sistemas de rastreabilidade nas cadeias agroindustriais? Já há algum tempo convivemos com um discurso exageradamente otimista, de que o consumidor terá pleno controle daquilo que compra, e de que mais rastreabilidade é sempre melhor. Por outro lado, isso custo caro, e talvez ninguém queira pagar por essa informação perfeita...
Logo, quais as vantagens, desvantagens (custos, mais especificamente) de mensurarmos cada atributo da carne que vendemos, para citar um exemplo?
Atenciosamente
Bruno Miranda

LIMOEIRO DO NORTE - CEARÁ - PESQUISA/ENSINO
EM 06/03/2013
Estou hoje em um grupo de estudo "GEPLAN" GERENCIAMENTO E GESTÃO AGROPECUARIO - e por conhecidêcia na reunião de hoje compartilhamos esta discursão e debates. Muito bom o assunto! Pergunto aos senhores: Aqui no Brasil está sobrando carne rastreada ( bovina é claro!)?
SÃO PAULO - SÃO PAULO - PESQUISA/ENSINO
EM 06/03/2013
Agradecemos o comentário. Aproveitamos para deixar um convite: usem este espaço sempre que quiserem, para fazer sugestões, críticas ou indicar temas para o debate.
Atenciosamente
Bruno Miranda

SOROCABA - SÃO PAULO - FOOD SERVICE
EM 06/03/2013
Parabens. Cade sistema de Rastreabilidade da UE? exigiram tanto do Brasil, o controle...Que nossos Pecuáristas acordem SISBOV tem que ser usado não só para mercado externo... É um vale td para aumentar, quem é o Ministro da agricultura e Pecuária mesmo?
http://www.animalltag.com.br

ESTÂNCIA - SERGIPE
EM 06/03/2013