Recrudesceu, recentemente, uma grande preocupação com a sustentabilidade da cafeicultura brasileira e mundial em todos os fóruns de discussão onde estão sendo debatidos os panoramas, atual e prospectivo, do agronegócio café. O tema sustentabilidade, em diversas formas, é o assunto recorrente e dominante na pauta dos recentes eventos técnicos e políticos acontecidos no setor cafeeiro.
A Conferência Mundial do Café, realizada pela Organização Internacional do Café na Guatemala, nos dias 26 a 28 de fevereiro deste ano, por exemplo, teve como tema: "Café para o futuro: rumo a um setor cafeeiro sustentável" e, como objetivo: "Debater diversos temas ligados à sustentabilidade do agronegócio café como um todo, discutindo os aspectos ambientais, sociais e econômicos do setor.
Em Salvador, na Bahia, no período de 08 a 10 de março do ano corrente, realizou-se o 11º Simpósio Nacional do Agronegócio Café (Agrocafé), tendo o sugestivo tema: "café: um gigante na corda bamba". Nesse, o foco também foi a sustentabilidade e a palestra do ex-ministro Roberto Rodrigues, proferida durante o evento, como o título: "Uma agenda para o agronegócio no século XXI", marcou o tom inicial das preocupações e discussões posteriores ao abordar as sustentabilidades econômica, social e ambiental com autoridade e de forma competente.
Outros dois eventos, também importantes, realizados recentemente foram o 14º Simpósio sobre Cafeicultura de Montanha, realizado de 17 a 19 de março, em Manhuaçu, situada na Zona da Mata mineira e a Fenicafé, um acontecimento para discutir os rumos da Cafeicultura do Cerrado Mineiro, que foi realizado dos dias 24 a 26 de março de 2010, na cidade de Araguari. Em ambos, principalmente na abertura dos eventos, foram expressas as preocupações dos políticos e da liderança cafeeira com a sustentabilidade da atividade cafeeira.
2. As propostas decorrentes das preocupações com a sustentabilidade
Se as preocupações são semelhantes nos diversos fóruns em que se debate a sustentabilidade da cafeicultura, por outro lado, são díspares as propostas de ação que surgem, principalmente em relação ao papel do governo, para impactar a lucratividade sustentável do setor cafeeiro.
O posicionamento da OIC sobre o assunto pode ser visto pelos termos da Palestra de abertura do Congresso da OIC na Guatemala, proferida pelo seu presidente, Néstor Osorio, em 26/02/2010. Nessa, diz ele, "Si bien es cierto que los precios actuales pueden calificarse como razonables, es preciso senalar que ciertos factores externos han menguado el valor real del ingreso cafeteros y ellos son:
- El aumento del costo de la mano de obra
- Los altos precios de los fertilizantes
- Lãs dificuldades de crédito y financiación
- Proliferación de plagas y enfermedades
- La depreciación del dólar"
Ao apresentar os principais problemas que afetam a cafeicultura mundial, o Dirigente da OIC arremata dizendo que estes temas serão tratados na Conferência por especialistas que nos darão orientações sobre como alcançar uma produção sustentável. Ao apontar os estrangulamentos existentes, a OIC deixa claro seu entendimento de que o foco para proporcionar a desejada sustentabilidade da cafeicultura está associada ao CUSTO DE PRODUÇÃO da lavoura cafeeira.
De forma diversa, ao tomarmos as declarações das lideranças cafeeira no Brasil, temos um diagnóstico alternativo, que lança os estrangulamentos da sustentabilidade cafeeira sobre a renda do setor ou, mais especificamente, sobre o preço do café no mercado. Como exemplo desse outro entendimento, podemos citar várias declarações da liderança cafeeira emitida nos últimos fóruns, anteriormente citados, que se propam a discutir essa questão. Senão, vejamos:
Declaração do presidente da Assocafé e organizador do 11°AGROCAFÉ em 08/03/2010, em Salvador: "Precisamos ainda saber o que fazer em conjunto para solucionar o nosso principal problema - a renda do produtor".
Manchete do Clipping da CNC do dia 10/03/2010: Agrocafé: Secretários de Agricultura propõem alternativas de renda.
Declaração do Presidente da Frente Parlamentar (em 23\09\2009) defendendo, na OIC, ações de sustentabilidade econômica: "... a única forma dos produtores de café poderem sair da situação que se encontram é mediante preços remuneradores e que cabe a OIC um papel efetivo nesta direção"
Declaração do presidente da SINCAL (Associação Nacional dos Sindicatos Rurais das Regiões Produtores de Café e Leite), em entrevista ao CaféPoint de 16/03/2010: "O principal ponto que atravanca a cafeicultura é a falta de preço. Essa falta de preço vem de uma conjuntura por falta de gestão pública e privada."
Já que o lucro de uma atividade é igual à receita menos o custo de produção (LUCRO = RECEITA - CUSTO), em princípio, ambos os enfoques estão corretos, uma vez que eles buscam, com base em diagnósticos diferentes e por caminhos diversos, aumentar o lucro da cafeicultura de maneira sustentável. Ao cafeicultor individualmente, pouca diferença faz se ele consegue um lucro sustentável com base no decréscimo de custos ou com base no aumento de sua receita. Para o Setor Cafeeiro, no entanto, essas razões podem ter efeitos diversos, conflitantes e, até mesmo antagônicos.
3. O Sistema Econômico da Cafeicultura
Para entendermos melhor a diferença existente, do ponto de vista agregado, entre o aumento da lucratividade cafeeira por meio do aumento artificial de preços e pela diminuição de custo de produção, vamos, inicialmente, observar a figura a seguir, que nos mostra uma simplificação do sistema econômico da cafeicultura. Por ela, podemos ver que o cafeicultor participa de dois mercados distintos. No mercado onde ele oferta seu café, seu parceiro, ou seja, o demandante do produto, é o consumidor. No mercado onde o cafeicultor é demandante, seu parceiro são os detentores do trabalho-as famílias - e os proprietários dos insumos, tais como defensivos, adubos, máquina e equipamentos, etc. Dentre os ofertantes de serviço é importante destacar a participação do Governo que, nesse caso, deve participar como fornecedor de informação de serviços (apóia a inovação tecnológica, infraestrutura como estradas, portos, eletricidade, segurança, dentre outros).

Sendo assim, quando estamos pensando em realizar ações que afetem o preço do café, por coerência, devemos dirigi-las aos consumidores que são os parceiros dos cafeicultores no mercado onde se formam os preços do produto. Serão ações de publicidade, de marketing, de agregação de valor ao produto, de serviços associados. Portanto, ações que estejam mais perto das definições de para quem, o que e quanto produzir. Nesse caso, vale lembrar que o Governo não é consumidor de café e que, portanto, sua interferência em preço só se dará de maneira arbitrária e sempre contrariando as regras do livre mercado, o que, quase sempre, traz mais problemas do que solução quando se pensa no longo prazo.
Por outro lado, quando estamos pensando em decréscimos no custo de produção de café, ou seja, no "como produzir", aí sim, o Governo a a ter um papel fundamental. Um correto conjunto de proposta de ações governamentais pode diminuir, em grande parte, o custo de produção e aumentar a competitividade do setor cafeeiro como um todo. Melhoria de estradas vicinais, disponibilidade de energia a preços diferenciados, aquisição de máquinas e equipamentos cobertos por isenção de impostos, uma adequada legislação trabalhista que leve ao produtor maior facilidade no trato de seus recursos humanos, sem que isso represente qualquer aviltamento nas relações humanísticas com os trabalhadores.
Aqui se faz necessário um parêntese, para dizer que sempre que se fala em alterar a legislação brasileira em benefício dos cafeicultores, há sempre aqueles que falam que isso é muito difícil, quando não, impossível. Ora, o papel dos representantes da cafeicultura no Congresso Brasileiro é exatamente este: buscar, dentro da lei, os benéficos para aqueles que eles representam. Parar o trânsito, fazer eata, como pregam alguns, pode até ser mais fácil, mas, certamente, é menos efetivo.
Exemplo interessante de solicitação de interferência do Governo foi dado recentemente pelas montadoras de automóvel. Em crise, elas não solicitaram do Governo Brasileiro que aumentasse o preço dos carros, mas sim, que diminuíssem os seus custos por meio de isenção de impostos. Isso alcançado, além de favorecerem seus potenciais consumidores, elas agiram pedindo ao governo algo que, efetivamente, ele poderia conceder mediante o adequado jogo democrático, tendo os seus representantes no Congresso Brasileiro capitaneado os esforços nesse sentido.
4. Conclusões e sugestões
O cafeicultor se coloca simultaneamente em dois mercados distintos, um de seu produto, onde é ofertante de café, e o outro, onde adquire seus insumos e é o demandante de fatores de produção. As ações preconizadas para uma cafeicultura sustentável podem ser dirigidas a um dos dois, ou para ambos os mercados, visando aumentar a sua renda ou diminuir o seu custo de produção, respectivamente.
As propostas de ações direcionadas ao mercado do produto devem, em princípio, lembrar que, em uma economia livre e democrática, o parceiro nesse mercado é o Consumidor. As propostas, nesse caso, devem enfatizar a valorização do produto e a conquista e ampliação dos mercados consumidores. As ações de governo devem ser de apoio a esses propósitos maiores e nunca de procurar, arbitrariamente, alterar o preço de mercado que não é da sua competência e, se contrariando essa premissa, assim mesmo o fizer, os efeitos de longo prazo serão contrários aos interesses dos cafeicultores mais eficientes.
De acordo com esses argumentos, entende-se que a liderança da cafeicultura brasileira e os representantes do setor no Congresso Brasileiro, devem centrar seus esforços exigindo do Governo aquilo que é atribuição de governo, tais como: pesquisa, assistência técnica e gerencial (por exemplo, nos moldes do Certifica Minas Café e do Projeto Educampo Café), capacitação de mão de obra, melhoria da infraestrutura viária e portuária, informações técnicas e de mercado e o apoio para organização e fortalecimento da atividade cafeeira, regulamentação do setor (tributação) e muitos outros que, com criatividade e bom senso, muito podem contribuir para a competitividade e sustentabilidade de nossa cafeicultura. Exigir do governo que ele altere o preço do café com intervenções de mercado tem sido, e continuará a ser, uma postura que contraria a lógica e gera poucos e efêmeros resultados e, em consequência, desgasta a credibilidade de todos pela inexistência de resultados robustos e duradouros.